as pessoas possuem um instinto para conexão, e constante e pós-moderna ação guiada a desconexão.
minha mãe, em suas frequentes crises, eventualmente caía em um abismo existencial e me falava, soluçando enquanto chorava: “que saudades de minha mãe, eu queria o colo dela agora”.
você vê, minha mãe não tem mais colo, quiça nunca o teve de verdade. nunca soube se conectar de forma satisfatória, mas sempre tentou. suas tentativas sempre faíscaram e pegaram fogo – não é tão fácil se apaixonarem pela fera como é pela bela, diferente do que lhes disseram nos filmes.
queimadura é um tipo peculiar de machucado que dói, deixa marcas e até mesmo preconceitos. qualquer criança que se queima no fogão passa a ser menos curioso com ele.
minha mãe eventualmente deixou de ser curiosa com o mundo.
eu não posso senão ser empático e derramar algumas lágrimas ao lembrar de suas crises e quão abraçado estou com elas em meus vazios.
Category: Crônicas
cardapios.
Tem um restaurante que vou toda semana. Segunda-feira, sempre as 17-18h e lá está o dono, ele me acena quando entro, eu aceno de volta. Ele interrompe sua conversa com um freguês, pega um cardápio na mão e vem sorridente em minha direção:
– Não preciso de cardápio não, obrigado. Me traz apenas uma coca zero e um copo.
Quando termino minha fala, ele fecha o rosto junto ao cardápio, acena com a cabeça e vai buscar meu pedido. Sou apenas mais um verme explorando sua luz, ar condicionado, cadeira, mesa, TV a cabo e internet – tudo muito oportuno – e pelo preço de uma coca, e ainda ganha-se a coca. Ele deve me odiar. Mas eu vou continuar voltando, nas segundas ao final da tarde, com a mesma cara minha e ele com a mesma cara dele, vamos acenar e trocar uma expressão positiva, durará até ele me trazer aquele cardápio que nunca usei. De qualquer maneira, obrigado Sr. Dono do restaurante, está uma tarde nublada, a cidade da garoa faz jus ao nome, mais algumas desgraças me desprendem da vida e eu estou aqui tentando organizar a merda da minha agenda!
band-aids.
está todo mundo perdido demais. passamos milênios deteriorando e refinando a fala, e chegamos em lugar nenhum. estamos cada vez mais a mercê do caos, e nosso histórico sociocultural nos prevê de longe. não conseguindo descrever-nos, muralhas são construídas entre um corpo e outro, e os contatos vulneráveis se desvanecem furiosamente. foda-se, respirarei aos pés de uma poesia mundana qualquer!
abstenho-me de minha vivência, e ela me transpassa. nada importa. continuo a atuar conforme proposto. sem sincronia alguma com o que está acontecendo ao redor, ainda estou na dança, ela não irá parar. ela manda. as vezes dançarei tristonho, às vezes risonho. tudo tem perdido e ganhado sentido de forma tão rápida e mecânica quanto meus pulmões se enchendo e esvaziando de ar em um piscar de olhos.
act.
as noites viraram dias rapidamente quando comecei a cair no abismo. as escritas vinham, normalmente de madrugada e eram meu último recurso de prazer. prazer do alívio, finalmente. me despedaçava nas teclas e ao estilizar um poema ou um texto qualquer, me sentia inteiro e respirando novamente.
–
eu estava evitando com sucesso todas minhas responsabilidades. sem voltar-me ao prazer, acabei me voltando ao nada. eu sabia que aquele momento se tratava de uma bomba-relógio de merda que explodiria em minha cara em pouco tempo. eu deslumbrava das noites e dormia aos dias aguardando o inevitável.
–
e tudo que lhe toma atenção, quando suas fontes de prazer estão paralisadas, torna-se amargo, superficial, elaborado demais, difícil demais: você tem que cuidar de tudo relativo a si mesmo, na referência dos outros. maqueie-se, sorria, beba, transe, produza, crie e morra conhecido e realizado. você treina a atuação a vida inteira para uma peça que nunca chegará.
trágico.
foi-se a semana catastrófica. elas sempre estarão por ai, pousando quando lhes convém, nada que você possa fazer. me pego fumando e brincando com as fumaças. as músicas são leves e boas; uma bela voz marroquina me lembra de que há mais de 8 maravilhas no mundo me esperando, autônomas e independentes de minhas vontades. hiberno sobre vocês, demônios do meu ontem, o sono cura tudo. os problemas começam a orbitar e dançar em minha volta, perfeita sincronia divina. meus amigos esmagam-se em suas vozes e gritam por mim, os encontros são risonhos e nunca farão mal à alma.
–
paro no farol. canto com meu rádio, está sol. um jovem artista cuidadosamente expõe os resultados do treino, sorri o tempo inteiro. me pego procurando moedas, ele merece, ele merece. talvez, eu mereça também, é apenas um reflexo de minha história. todo mundo sorrindo, vidros descendo e moedas dadas à sua própria glória. pensamentos de grandiosidade e de minha insiginificância se esbarram numa briga bonita de se ver. acelero meu carro, o paciente está ansioso pelo atraso de 2 minutos.
foda sua vida como você quiser.
eles estavam em um bar antigo, a juke box tocava um som blue wave com letras melancólicas, ainda que te fizesse se sentir bem com a vida. os dois amigos estavam na metade da garrafa, que já os fazia falar de tudo:
– eu quero me apaixonar
– para que você quer isso, velho?
– gosto das trocas
– as trocas vem e vão, você sabe – disse o bêbado, enquanto dava mais um trago
– não importa. queria sair sozinho por ai e curtir. depois você se encontra com ela e da umas risadas, uns beijos, abraça forte e discutem como se fosse uma bancada de doutorado. ai sai todo mundo ganhando: você sente que da para ser feliz por uns instantes, fica quieto e solta umas risadas enquanto trocam olhares. depois cada um vai para o seu lado, você volta a se foder no trabalho e a sentir prazer na solidão. ela vai fazer seja lá o que elas fazem.
– foda sua vida como você quiser.
estava tudo jogado para o ar, o caos reinava e tudo que eles realmente precisavam era de um pacote de cervejas, o tipo de música que lhe faz ter saudades de chorar, as conversas aleatórias e profundas e o afeto amigo.
– hey V., me ligue se precisar!
– sempre, sempre.
me sufoquem.
“quero que teus doces beijos me sufoquem”
cantava o quinteto numa quinta feira à tarde na grande avenida. o casal de mendigos esmurrados e expulsos da rua dançavam sorridentes, aceitaram a grande merda poética paulista! o que me sufocava era ela. não os beijos, mas sim a ausência de nossas trocas. onde está você ?
o quinteto continuava:
“quero que teus doces beiiijoss, me sufoquem”
.
8:00, eu bêbado. entrei em uma padaria alemã, cervejas difíceis de pronunciar e pães a 50 reais o kilo. não comi. dois caras conversando com notebook aberto, negociação ou idealização, tanto faz. uma criança com o pai solteiro, ela queria saber porque deus estava escrito em minúsculo num texto qualquer, mais uma vez o país laico teria que se proteger. uma menina com fones de ouvido do outro lado do balcão. ela dança timidamente e deu uma pequena risada quando me viu olhando. em dias passados, me levantaria e conversaríamos. não hoje. agora você baixa um aplicativo e ele te fala quem estava perto e quer transar. não fiz nenhum, estava bêbado demais, a pizza do balcão era mais interessante que uma porção de comportamentos.
workers.
6:30 am and the outstanding amount of people that uses public transport are already giving up laws of physics and fucking smashing each other. I am part of it.
Water drops from the sky, everybody wish they had stayed in bed. I wish that too. The drops make it a bad day, a grey-blue kind.
People are going to work. They listen to their musics, read their religion and smile at each other disgrace. No one is smart, they wake up 5:30 am to take 5 buses and 2 subway lines. In the other side of the world there is a dude talking with authority about how his lifestyle is better than yours and people are going to pay and applause him for that, with pleasure.
Hold on, I gotta take my bus outside and it’s raining like hell, fuck.